Podemos definir o livro numa acepção mais ampla, como sendo todo e qualquer dispositivo através do qual uma civilização grava, fixa, memoriza para si e para a posteridade o conjunto de seus conhecimentos, de suas descobertas, de seus sistemas de crenças e os vôos de sua imaginação. Ou, num contexto mais moderno, segundo palavras do próprio Lucien Febvre (Martin, 1992:15): livro é o instrumento mais
poderoso de que pode dispor uma civilização para concentrar o pensamento disperso de seus representantes e conferir-lhe toda a eficácia, difundindo-o rapidamente no tecido social, com um mínimo de custos e de dificuldades. Sua função primordial é ''conferir [ao pensamento] um vigor centuplicado, uma coerência completamente nova e, por isso
mesmo, um poder incomparável de penetração e de irradiação".

(Arlindo Machado, no ensaio "Fim do livro?")

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A INTIMIDADE DE STADEN COM O TUPI

POR ELIANA PORFIRIO DINIZ
O livro de Hans Staden, “Viagem ao Brasil”, é um clássico de nossa literatura histórica que aborda uma descrição fiel da natureza, da aventura de Staden, dos índios e de seus costumes, do vocabulário que estes utilizavam e com o qual o autor tinha perfeita intimidade, o TUPI, tanto que o incorpora pela primeira vez no léxico alemão. Esta obra é um documento relevante da história do Brasil.
Alguns vocábulos extraídos de seu livro foram analisados, traduzidos e comparados, observe.
No início do livro, deparamos com Tuppin Imba, que é uma das formas de nomear o gentio brasileiro no tempo do descobrimento. Entre os portugueses, vulgarizou o Tupinambá. Entre os escritores franceses contemporâneos encontramos: Topinambós, Toupinambas e Tououpinambaoui, escrito de Jean de Lery, uma grafia estranha, mas considerada a mais próxima da verdade por Ferdinand Denis. Tuppin ou Tupin quer dizer tio, irmão do pai. Imba ou imbá = abá, homem, gente, geração. Tu-upi, significa o pai primeiro, o progenitor. Tu-upi-abá, a geração do progenitor.
Staden faz menção a várias denominações em tupi. Para iniciar, o nome da cidade de Pernambuco em tupi era denominado Prannenbucke. A palavra Igarassú (igara-assú) significa canoa grande, barco, que hoje escrevem erroneamente Iguarassú. O conhecidíssimo cipó aqui do Brasil origina-se do vocábulo sippo, do tupi çãpó – corda-vara, galho ou rama em forma de corda. Os selvagens utilizavam-no nas suas construções e na fabricação de utensílios domésticos. O autor comenta sobre uma aldeia chamada Acuttia, que vem do tupi Aguti ou Acoti, que significa aquele que come de pé, hoje conhecemos por Cutia, nome de um roedor que toma o alimento com as patas dianteiras, tendo uma atitude ereta quando come.
Os tupinambás chamavam seus inimigos de Tawaijar, no tupi escreve-se Tobaiguara – oposto, individuo em face. Tawaijar, tomado como Tabayar ou Tabayara, quer dizer – senhor de aldeias, aldeões, moradores de aldeias. Para nomear lugares, os Tupinambás observavam o aspecto, a descrição, digamos assim, e o nome correspondente a esta. É o caso da barra de Itanhaem, costa ao sudeste de S. Vicente, um nome indígena que procede do tupi itá nhaen que significa bacia de pedra, conforme o aspecto da localidade que é uma bacia rodeada de pedras, das quais na mais alta está a igreja de N.a S.a da Conceição. Aos ouvidos do narrador, este vocábulo soará: Itenge-Ehm.
Segundo Staden, os Tupinambás gostavam de tomar uma bebida preparada com Abbati ou Avaty (milho) chamada Kaa wy, que é o mesmo cauim, uma bebida preparada com o milho mastigado e fermentado. Além desta, há uma raiz denominada mandioka (conhecida hoje como mandioca, só mudou o K por C, mas a pronuncia continua a mesma), que misturam com o abbati, quando maduro, para preparar sua bebida. Eles pescavam um peixe com o qual fabricavam uma farinha Pira-Kui, do vocábulo tupi – pirá cui que se traduz: farinha de peixe, porque era fabricada com o peixe seco.
Os portugueses eram chamados de perot, que vem do vocábulo tupi – piro, roupa de couro, porque os portugueses se encouravam para as suas lutas no sertão. A ave de penas rosadas, o gentio chamava de Uwara, que vem do vocábulo tupi uará ou guará. A cama deles se chamava Inni (rede feita com fios de algodão).
Para não perder o significado, vou fazer uma breve citação de um trecho do livro:

“(...) e me chamando Schere inbau ende: “Tu és meu bicho amarrado””.

Esta é uma frase tupi alterada que corresponde a – Che remiimbab nde, cuja tradução seria – meu bicho de criação tu. Este contexto indicava ao prisioneiro que ele, dali em diante, era bicho de criação e lhes pertencia.
Outra frase tupi muito usada entre eles: “Ayú ichebe enê remiurama”, que significa: Cheguei eu vosso regalo – ou em outros termos: aqui estou para vossa comida.
A arma com que matavam seus inimigos era denominada Iwera Pemme que vem do tupi iberá pema – clava achatada em forma de remo ou de espada. Nome de um instrumento de guerra, que o gentio chamava também tacapema, que significa – o tacape chato. O adorno em ocasiões solenes era denominado Arasoya – vocábulo tupi: araçoyá, espécie de turbante feito de penas multicores. Scheraeire – vocábulo tupi: che raíra, quer dizer meu filho.
A certa altura do texto, encontramos a frase tupi: “Apomirim jurupary ybytu uaçú Omo”, que tem a seguinte tradução: “aquele diabinho é que trouxe o furacão”. Aqui os gentios se referem a um livro: “couro da trovoada”, de Staden, que eles acreditavam ser o responsável por um grande vento que descobriu os telhados.
Neste parágrafo, Staden argumenta com o gentio que somente um animal irracional devora a outro. O selvagem responde: Yauara ichê, que se traduz: sou onça...
Para fazer fogo, utilizavam uma espécie de madeira, chamada Vrakueiba que vem do tupi – Bracuyba, ou melhor – ybyrá-acú-yba, que se traduz: árvore de madeira quente, isto é, que dá fogo. O beijú que nós conhecemos até hoje, vem do tupi mbeyú, que significa o enroscado, o enrolado. Este termo tupi é muito semelhante ao português. A sopa rala, feita de caldo de carne, peixe, era chamada de mingáu, este termo não alterou no português, só excluiu o acento.
O primeiro nome das crianças vem de um de seus antepassados, do tupi: Kirimá, Eiramitã, Coema, que traduzem, respectivamente: Corajoso, Abelha menino, Manhã.
E, para finalizar, as frases em tupi que merecem destaque (que antecedem os rituais de antropofagia e demonstram todo o ódio em questão):

“Dete Immeraya Schermmiuramme beiwoe”
A ti sucedam todas as desgraças minha comida

“De kange Juca cypota kurine”
Eu quero ainda hoje cortar a tua cabeça

“Sche innam me pepicke keseagu”
Para vingar a morte de meus amigos, estou aqui.

“Yande sôo sche mocken será quora ossarims rire”
Tua carne será hoje, antes que o sol entre, o meu assado.

(...)

Percebemos neste livro a originalidade de Staden ao mencionar os vocábulos tupis, já que era a língua falada dos gentios. E a importância da tradução e explicação nos rodapés, que os tradutores fielmente colocaram para não perdermos o contexto a que se inserem e enriquecem a obra.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
STADEN, Hans. Viajem ao Brasil (revista por Theodoro Sampaio). Oficina Industrial Graphica, Rio de Janeiro, 1930

quinta-feira, 24 de junho de 2010

ENTREVISTA - ARCADISMO

Esse post é especial para os alunos de Literatura Brasileira.
Trata-se de entrevista com Alexandre Sanchez Ibanez, autor do livro "Maria Dorothea - A Musa Revelada",  sobre Marília de Dirceu.

Abaixo os links para a entrevista, disponível no Youtube:

1º BLOCO
2º BLOCO
3º BLOCO


quarta-feira, 23 de junho de 2010

DESLUMBRAMENTO

POR FÁBIO AUGUSTO STEYER



Inquietos olhos de fogo
Dançam a valsa das horas
São frágeis canções de espera
Entre as pressas e demoras.

São medos que dizem tudo
Mas que nada nos revelam
Tão corajosos e inúteis
Que nem mistérios desvelam.

Os meus versos de vento
Varrem qualquer pensamento
Nesse momento
Nesse momento.
Nos teus olhos de noite, morena
Deslumbramento
Deslumbramento.

Inertes olhos de sombra
Correm nas ruas vazias
Seus nós de ausência e presença
Compõem retóricas frias.

São medos que dizem nada
Mas que tudo nos revelam
Oráculos vis e fúteis
Segredos que se rebelam.

Somente teus olhos negros
Quando destroem os meus
Mostram as dores do mundo
Flor de trovão, mão de Zeus.
São luzes que brilham mansas
Meus olhos dentro dos teus.

Os meus olhos de vento
Varrem qualquer pensamento
Nesse momento
Nesse momento.
Nos teus versos de noite, morena
Deslumbramento
Deslumbramento.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

BOAS SURPRESAS NO FUC

POR FÁBIO AUGUSTO STEYER



Para quem estava acostumado com a qualidade dos festivais de música mais “arejados” do Rio Grande do Sul, o FUC, realizado pela UEPG, tem sido uma grata surpresa. É uma pena, mas os grandes festivais gaúchos, em especial aqueles que expandiram suas fronteiras rítmicas, musicais e geográficas, caso do Musicanto, da Moenda e do Canto da Lagoa, estão em franca decadência. As últimas edições não podem sequer ser comparadas em qualidade com aquelas dos anos 80 e início dos 90.
Mas desde que cheguei em Ponta Grossa, há dois anos atrás, o FUC tem me impressionado com a qualidade musical das concorrentes e com uma ótima organização – o que, sem dúvida alguma, faz (toda) a diferença.
Na última edição, encerrada sábado, dia 19, não foi diferente. A começar pelos ótimos jurados, super qualificados, inclusive na fase regional.
Das músicas que se classificaram para a final, nenhuma abaixo da crítica, e (quase) todas de excelente qualidade. A começar por aquelas oriundas da seleção regional. “Castelo” (5º lugar), de Phayga Gruber, mostrou que a simplicidade no arranjo e a singeleza na interpretação podem ser suficientes, desde que estejam em sintonia com uma boa letra e uma melodia cativante. A interpretação da autora, que evoluiu bastante da primeira até a última apresentação (foram três ao todo, duas nas eliminatórias e uma na finalíssima), também marcou a composição.
“Antiga Moda” (4º lugar), com belo trabalho vocal e refrão forte (“Uma moda de viola pra quem gosta de viola e não de moda”), de autoria de João Amalio Ribas, é um hino à música de raiz. Nas palavras do autor, “música não é produto, como fogão ou geladeira”. Um comentário bem instigante em noite de concorrência entre o FUC + João Bosco, no Ópera, e Victor e Léo, no Centro de Eventos...
O pernambucano Zé Manoel, que já havia se destacado no ano passado, recebeu o 1º lugar com “Acabou-se Assim”, uma canção interpretado por ele ao teclado e que lembra muito algumas composições de Chico Buarque.
O festivaleiro Zé Alexandre, ex-parceiro de Oswaldo Montenegro, ficou com o 2º lugar. "Água Boa de Beber" é canção típica de festival, com refrão forte e interpretação premiada pelos jurados. Aliás, os festivaleiros de costume, todos ótimos compositores e intérpretes, que rodam o Brasil inteiro nos eventos do gênero, não faltaram: Bilora, com a embolada “Peleja de Zé Coco do Riachão com o Capeta Famoso”; Carlos Gomes e Ivânia Catarina, com “Calanga Rei” (mais um refrão forte, vibrante – “Ô de dentro, ô de fora, louvemos a Nossa Senhora”); e Zebeto Corrêa (vencedor do FUC de 2008), com a singela “Corpo e Alma”.
Paulo Monarco, de Cuiabá, talvez tenha sido a melhor surpresa do festival. Sua “A Saber o Sabor”, 3ª colocada, era, sem dúvida alguma, uma das melhores músicas do festival. Excelente a letra, de Alisson Menezes, discutindo a noção de “verdade” no mundo contemporâneo:

“Você toma Coca-Cola sem saber o conteúdo,
E bebe as palavras como a ingerir morfina,
Faz da vida um imenso cálice
Sem notar que a verdade é apenas fé, menina!”

Os jurados acertaram dando à composição o prêmio de melhor Letra. Outro destaque foi o ótimo arranjo de Monarco, também o melhor desta edição, na minha opinião.
Entre as outras músicas classificadas para a final, destaque para “Pererê”, de Demetrius Lulo e Wagner Barbosa”, “Trem de Verão”, de Adilson Casado e Wilson Teixeira, “Cidade das Águas”, de Manoel Oliveira (que ficaria melhor com um arranjo mais arrojado); e “Mulato”, de Thirone. O ponto negativo do CD é “José Brasileiro”, que pretende fazer crítica social através de letra extremamente pobre e superficial, numa melodia também muito simples, imitando o estilo de Jorge Benjor.

Boas composições ficaram de fora da final
O CD do 23º FUC será de ótima qualidade musical. Pena que não haja grana para gravar em estúdio, o que valorizaria mais as músicas e a própria história/memória do festival. Infelizmente, gravações ao vivo muitas vezes pecam por problemas de sonorização, pelo improviso, pelos erros e mesmo pelos arranjos mal executados.
Aliás, esse foi o problema de várias boas músicas que não passaram à final. Caso de “Curitiba Vazia Sem Você”, uma bela milonga de Péricles Holleben Mello e Octávio Camargo Neto, que penou por ser muito mal executada na eliminatória do FUC regional. Nem tão grave foi o caso de “Geografia da Insônia”, de Jaime Vaz Brasil e Adriano Sperandir. Ótimo arranjo, mas execução também abaixo da média. Se tivesse passado, sem dúvida seria candidatíssima ao prêmio de melhor letra.
Conclusão: melhor um arranjo simples, mas bem executado, do que uma apresentação sofisticada, mas precária.
Esse foi o FUC 2010.
Depois de deixar o meu querido Rio Grande do Sul e ver os festivais gaúchos, que acompanho desde criança, entrarem em decadência, fico feliz em morar numa cidade que tem o FUC.
E essa cidade é Ponta Grossa.
Viva Ponta Grossa.
Viva a UEPG.
Longa vida ao FUC!!!


1º lugar - "Acabou-se Assim", do pernambucano Zé Manoel


2º lugar - "Água Boa de Beber", do carioca Zé Alexandre


3º lugar - "A Saber o Sabor", do mato-grossense Paulo Monarco


4º lugar - "Antiga Moda", de João Amalio Ribas, representando Ponta Grossa.


5º lugar - "Castelo", de Phayga Gruber, também de Ponta Grossa.